CARTA ABERTA À ROGER ABDELMASSIH.
Caro Roger,
Meu nome é Teresa Cordioli, tenho 66 anos, sou viúva, mãe, avó e sogra, formada em direito, poetisa, voluntária em várias entidades beneficentes, como o Projeto Soprando a Vida, em Indaiatuba, e a Casa Apoio, do Hospital Estadual de Sumaré, além de vítima de Roger Abdelmassih, porque assim me intitularam.
No início, tudo era estranho, machucava, doía na alma ver minha vida exposta, minhas feridas abertas, meu rosto estampado em todos os canais de TV, jornais, revistas, inclusive no jornal da minha cidade, onde sou muito conhecida, Em uma edição me surpreendi com minha foto tomando a primeira página inteira e com a manchete “Mulher Sumareense foi Estuprada”.
Costumo dizer que as denúncias feitas por nós vítimas contra você nos custaram muito caro. Para mim foi terrível – na época outras vítimas eram mais jovens e eu já, uma senhora. No início passei a ouvir críticas, senti descrédito. Tive o respeito de muitos jornalistas e o desrespeito da imprensa marrom, que, sem autorização, transcrevia besteiras em suas matérias sensacionalistas.
Ouvi e li muitos comentários terríveis que denegriam minha pessoa, alguns me achavam velha para falar de estupro, outros que você, desde sempre, teve bom gosto, como se a beleza de uma pessoa dava o direito de alguém estuprá-la. Havia aqueles que diziam que só queríamos dinheiro, indenização e mostramos que apenas queríamos justiça.
Mas toda vergonha, humilhação e exposição que sofremos valeram a pena, temos consciência que abrimos portas com nosso exemplo de coragem, força e determinação e, hoje, o número de mulheres que passaram a denunciar todo tipo de abuso é bem maior.
Diariamente se vêem notícias de mulheres denunciando estupradores, mas infelizmente a justiça ameniza os crimes hediondos. Temos recentemente o exemplo do delinquente que “apenas ejaculou no rosto” de uma passageira de ônibus. Pergunto às autoridades, qual a diferença entre uma ejaculação e uma facada? Para uma mulher machuca tanto quanto.
Diego Ferreira de Moraes, que foi solto, é tão inocente que, em 24 horas, voltou a molestar mulheres como de costume. Ele não tem medo de abusar de mulher, e você Roger, também não tinha esse medo. Pelo contrário, nos colocava em situações de perigo constante com ameaças, como foi no meu caso.
Por esse motivo não podemos ficar caladas, deixar você solto, com mordomias e internado em hospitais de primeiro mundo ou na própria casa. Tenho certeza de que, como Diego, na primeira oportunidade, você molestará uma mulher que sobrar indefesa diante dele ou fugirá, como já fugiu.
Atacar mulheres é seu vício, algo que você faz desde que era jovem e que nunca vai perder. Você é um bicho. Tenho amizade com vários médicos que estudaram com você e conhecem sua índole desde a faculdade. No hospital em que você me atacou também fez muitas outras vítimas que não tiveram interesse ou coragem de se expor publicamente. Seu prazer é a violência, a força, é submeter a mulher à sua vontade.
E além de ter certeza de que você repetirá seus crimes, temo também que fuja mais uma vez. As autoridades estão lhe dando muita liberdade, como sempre deram. Agora você está em casa, vivendo com conforto, mas quem está te vigiando? Não acho que apenas a tornozeleira eletrônica seja o suficiente para controlar você. Em algum momento você vai tentar fugir.
Não podemos silenciar sobre esse caso, pois ainda existem milhares de vítimas no anonimato por vergonha e medo.
Diante da “injustiça brasileira”, do prende e solta, diante da insensibilidade de ministros, ministras, juízes e juízas, nós, suas vítimas, decidimos procurar nossos direitos fora do Brasil, na Comissão Interamericana dos Direitos Humanos.
O advogado, Gustavo Polido, que cuida do caso, prepara uma representação junto à Comissão, que será feita ainda neste ano, para mostrar que você goza dos benefícios da prisão domiciliar sem cumprir nenhum requisito para ter esse direito. Vamos pedir que sejam apurados eventuais privilégios no seu caso.
A Comissão de Direitos Humanos preconiza que as vítimas de qualquer crime têm direito à tranquilidade emocional e isso só é possível quando vêm seu algoz efetivamente punido. E não é isso que está acontecendo.
Os 181 anos de pena que você recebeu, não podemos esquecer, lhe foram imputados por apenas um tipo de crime já julgado, o de estupro. A pena é grande, mas poderá ser elevada quando você for julgado por outros tantos crimes de manipulação genética, por exemplo, que, um dia, talvez, mereçam maior atenção da Justiça e que correm a passos lentos a espera da prescrição.
Sua soltura, após três anos e quatro meses de reclusão, foi uma provocação às vitimas. Não acredito em sua doença no coração, inclusive tenho mais problemas desse tipo do que você. Minha vida poderia ter tido um desfecho diferente, se não tivesse passado pela experiência que passei, a menina que eu fui não teria morrido, eu não teria meus medos, meus traumas, não sofreria, até hoje, com as sequelas que me maltratam psicológica e fisicamente.
Passei por 13 intervenções cardíacas -cinco cateterismos, três angioplastias, três colocações de stents e duas cirurgias para ponte mamária- que se agravaram por eu não fazer acompanhamento médico de rotina, não ir às consultas que marco para controlar meus problemas de saúde. Não vou às consultas porque tenho crises de pânico e descontroles de pressão arterial. Só vou no médico quando estou passando muito mal e preciso fazer uma cirurgia. Não vou em ginecologistas, ortopedistas e fiquei quatro anos sem ir no cardiologista. É um trauma que você me deixou.
Quando estive internada no hospital Irmãos Penteado, em Campinas, em 1970 e era apenas uma menina semianalfabeta, menor de idade, você abusou de mim. Eu era muito inocente, nunca havia dado sequer um beijo num homem, não sabia nada sobre sexo. Sentia dores atrozes por causa de pedras nos rins e fui seguidamente molestada, tocada, beijada, lambida e tive que ouvir suas palavras obscenas no meu ouvido. Você se regozijava com meu desespero e me molestava duas, três vezes por dia, colocava sua mão na minha boca para que eu não gritasse e ameaçava me matar se falasse alguma coisa para alguém. Nunca mais me recuperei do medo que senti.
Tenho pavor de jalecos brancos, seja de médicos ou dentistas.
O que mais me machuca é quando dizem: Esqueça isso, já foi há tanto tempo!
Voce esqueceria a morte de um filho seu? Você esqueceria o nome do assassino dele? Pois é, eu não consigo esquecer o nome de quem matou a menina que havia dentro de mim.